Igreja de Cristo: Entre Fidelidades e Disputas
A Igreja é, por sua natureza e vocação, a Igreja de Cristo. Nenhuma outra definição tem valor maior que essa, e qualquer tentativa de reduzi-la a um grupo ideológico, corrente eclesial, preferência teológica ou partido religioso é uma traição ao seu fundamento. A eleição do Papa Leão XIV, em 8 de maio de 2025, nos confronta com essa verdade essencial: somos uma Igreja em comunhão, fundada sobre a pedra que é Cristo e pastoreada, hoje, pelo Sucessor de Pedro, que não se deve moldar às preferências de seus seguidores, mas ao Evangelho.
1. A Igreja Não é Reflexo de Nossas Vontades
Vivemos tempos marcados por tensões internas, polarizações e tentativas de capturar a identidade da Igreja em função de gostos pessoais ou alianças político-partidárias. Muitos desejam um Papa que lhes caiba no bolso da camisa ou da ideologia, esquecendo que o Papa não é imagem e semelhança de seus "eleitores", mas servo do Evangelho e do povo de Deus. Reduzir a figura papal a um representante de facção é mutilar sua missão universal.
A Igreja de Cristo não é um espelho das nossas vontades, mas um chamado constante à conversão e à comunhão. Seu centro é o Crucificado-Ressuscitado, e não os aplausos de segmentos específicos. Quando se deseja um Papa que apenas confirme nossas opiniões, perdemos de vista o papel profético do Magistério e nos fechamos à ação do Espírito.
A fidelidade ao Papa não é cega, mas exige escuta, discernimento e obediência eclesial. Isso significa reconhecer no Sucessor de Pedro uma referência confiável para a fé, mesmo quando suas decisões desafiam nossos paradigmas. Uma Igreja fragmentada por egos e agendas pessoais não evangeliza: escandaliza.
2. O Testemunho Profético da Paz e do Diálogo
As palavras iniciais do Papa Leão XIV, em sua primeira aparição, são um chamado à paz e à reconciliação. Sua referência direta à voz de Francisco e à tradição da bênção que parte de Roma para o mundo reafirma a continuidade e a missão da Igreja como ponte, não como muro. Como não recordar as palavras de Jesus: “Bem-aventurados os que promovem a paz”? A paz é o nome da missão da Igreja.
Num mundo mergulhado em guerras culturais, polarizações políticas e violência simbólica, a Igreja é desafiada a manter-se como sinal de unidade e escuta. A figura do Papa, como Bom Pastor, encarna essa vocação a reunir o disperso, curar as feridas, aproximar os distantes. Sua voz é muitas vezes solitária, mas necessária como farol na noite das divisões.
Infelizmente, há quem deseje um Papa guerreiro, que se ponha trincheiras, defenda bandeiras e condene adversários com fúria. Mas o Evangelho é caminho de humildade, de serviço, de perdão e misericórdia. O Papa é pastor, não general. O Evangelho não é arma para derrotar inimigos, mas caminho de reconciliação para irmãos.
3. A Missão Evangelizadora e a Espiritualidade do Cotidiano
A missão da Igreja é evangelizar, com alegria e coragem, partindo da espiritualidade do cotidiano. O Papa Leão XIV reafirma essa verdade com simplicidade: caminhar junto, ouvir, servir. Não há evangelização sem proximidade, sem cuidado, sem humildade. A Igreja deve estar onde o povo está: nos becos, nas periferias, nas feridas.
Evangelizar é mais que anunciar doutrinas: é testemunhar a beleza do Reino com gestos concretos. É lavar os pés, partilhar o pão, visitar os doentes, consolar os enlutados, defender os vulneráveis. A missão não se realiza a partir da torre de marfim, mas no chão da vida, onde Jesus está encarnado em cada rosto humano.
Essa espiritualidade do serviço é o antídoto contra o clericalismo, o moralismo e a tentação do autoritarismo eclesial. O Papa nos convida a voltar ao primeiro amor — àquele que nos fez seguidores de um Crucificado que lavava os pés. A Igreja será missionária ou não será. E será samaritana ou será irrelevante.
4. A Tentação da Rebelião Eclesial
Nos últimos anos, assistimos a uma inquietante rebelião disfarçada de zelo. Setores que se dizem defensores da tradição promovem divisão, desobedecem o Papa, alimentam teorias conspiratórias e se julgam mais católicos que a própria Igreja. A unidade é um dom do Espírito, e sua negação é escândalo e heresia prática.
Esses movimentos que se dizem guardiões da ortodoxia, mas vivem à margem da comunhão eclesial, são sintomas de uma crise mais profunda: a substituição da fé por ideologias religiosas. Esquecem que fora da comunhão com Pedro não há fidelidade a Cristo. O amor à verdade nunca pode ser usado como desculpa para ferir a caridade.
A comunhão eclesial não é um detalhe opcional. É constitutiva da identidade católica. Não há missão sem comunhão, não há verdade sem unidade, não há testemunho cristão sem amor concreto. O Papa é sinal visível dessa unidade. Desprezá-lo é desprezar a Igreja. Dividir-se contra ele é dividir-se contra Cristo.
Um Convite à Reflexão
O que significa seguir Jesus de Nazaré hoje? Significa abraçar o Evangelho em sua radicalidade, caminhar com a Igreja, amar o Papa, ainda que suas palavras nos desafiem. Significa construir pontes, promover a unidade, servir aos pequenos, combater o clericalismo, acolher com misericórdia.
Em tempos de polarização, radicalismos e instrumentalização da fé, a figura do Papa Leão XIV nos convida a retornar à essência da vida cristã: o seguimento de Cristo pobre, servo, crucificado e ressuscitado. Que sejamos, como disse Santo Agostinho, "com vocês cristãos e para vocês pastores". Que sejamos um povo de Deus que caminha unido, com os olhos fixos em Jesus.
Por Harlei Noro | Pensamento crítico com apoio GPT.