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Francisco e a Igreja de Cristo: crítica e fidelidade viva

22/04/2025
  • Francisco e a Igreja de Cristo: crítica e fidelidade viva

Esta reflexão propõe um diálogo com o artigo Fine di un pontificato all'insegna del "cambio di paradigma" (Fim de um pontificado sob o signo da "mudança de paradigma"), assinado por Luisella Scrosati, que propõe uma crítica severa ao pontificado do Papa Francisco, descrevendo-o como um período de "autossecularização" e "ruptura" com a doutrina e a tradição católica. Trata-se de uma interpretação que, embora compartilhada por alguns setores, requer uma avaliação ponderada, teologicamente fundamentada e pastoralmente orientada. Neste artigo, retomamos os principais pontos da crítica e propomos um contraponto à luz de uma leitura enraizada na pessoa de Jesus de Nazaré, no Evangelho, na Tradição viva da Igreja e no Magistério.

Antes de entrar no mérito dos pontos discutidos, é fundamental lembrar que toda reflexão sobre o serviço de Pedro deve partir de um ato de caridade intelectual e espiritual. Jorge Mario Bergoglio não é simplesmente uma figura histórica ou política, mas um pastor que ofereceu sua vida por Cristo e pela Igreja. Julgá-lo sem entrar na lógica da escuta, do discernimento e da oração é trair o próprio coração do Evangelho. A Igreja não pertence ao Papa: pertence a Cristo. E cada Papa, em sua humanidade, com seus limites e suas luzes, é chamado a servir, não a possuir. Convidamos, portanto, o leitor a suspender qualquer preconceito ideológico e a se aproximar desta análise com o olhar voltado para Cristo, único Senhor da história.

1. A "perda" da autoridade papal e o paradigma da sinodalidade

O artigo sustenta que Francisco teria esvaziado o papado de seu papel doutrinal, preferindo aparecer como apenas mais uma voz entre outras. No entanto, essa visão ignora a evolução histórica da autoridade na Igreja, que sempre viveu uma tensão fecunda entre primado e colegialidade. Desde os primeiros séculos, os Concílios ecumênicos mostraram que o bispo de Roma tem um papel peculiar, mas em comunhão com os demais bispos. Jesus exerceu uma autoridade servidora (cf. Mc 10,45) e fundou uma comunidade sinodal, na qual a verdade emerge no discernimento compartilhado (cf. At 15). O Sínodo sobre a sinodalidade promovido pelo Papa Francisco não é uma negação do papado, mas seu enraizamento mais profundo no Evangelho. Não é ausência de autoridade, mas o exercício dela em chave pastoral, segundo o estilo do Bom Pastor.

2. Documentos "ambíguos" e fidelidade evangélica

Entre os alvos da crítica estão documentos como Amoris Laetitia, Fratelli Tutti e Fiducia Supplicans, acusados de ambiguidade e ruptura. Mas a acusação de ambiguidade frequentemente nasce de uma leitura ideológica, mais do que de uma exegese real do texto. Amoris Laetitia se insere no caminho do magistério anterior (até João Paulo II), com um olhar profundamente evangélico: reconhecer que a graça atua também nas imperfeições e que a verdade não é uma abstração, mas se encarna nas histórias concretas. Fratelli Tutti retoma a visão social do Evangelho e a desenvolve em chave universal, num mundo marcado por exclusões, guerras e indiferença. Fiducia Supplicans, por fim, tem sido alvo de muitos mal-entendidos: não modifica a doutrina sobre os sacramentos, mas pede que se reconheça e acompanhe com misericórdia cada pessoa. Não é ruptura, mas radical fidelidade à atitude de Jesus.

3. Liturgia e Tradição: um retorno à unidade

A crítica à revogação do Summorum Pontificum ignora que a liturgia nunca foi uniforme na história da Igreja. As liturgias orientais, ambrosianas, moçárabes são testemunhos de uma pluralidade que sempre enriqueceu a catolicidade. O Concílio Vaticano II, em Sacrosanctum Concilium, pediu uma reforma da liturgia para uma participação ativa, consciente e frutuosa do povo de Deus. Francisco, com Traditionis Custodes, não negou o valor da forma extraordinária, mas pediu que ela não fosse usada para contestar o Concílio e o magistério vivo. A unidade na oração é sinal da unidade na fé. Redescobrir a beleza da liturgia reformada significa escutar o convite do Espírito a viver uma fé que fala ao coração do homem contemporâneo.

4. Comunicação e nova evangelização

A acusação de exposição midiática excessiva é uma questão mais ligada à linguagem da comunicação moderna do que ao conteúdo evangélico. Jesus pregava nas praças, nas sinagogas, nos vilarejos e pelas estradas. Paulo usou a linguagem dos filósofos em Atenas. A Igreja, ao longo do tempo, soube usar o latim, a arte, a música, a imprensa, o rádio e agora as redes sociais para anunciar o Evangelho. O Papa que aparece em vídeos curtos, que se aproxima com palavras simples, não é um Papa que banaliza, mas que encarna. Sua linguagem não é pobre, é acessível. O Evangelho não teme as tecnologias, se estas forem usadas para levar mais longe a Palavra.

5. Doutrina e desenvolvimento: fidelidade dinâmica

A acusação de promover uma "hermenêutica da ruptura" frequentemente nasce de uma compreensão estática da doutrina. Mas a fé cristã é encarnada: transforma os corações e se deixa interpelar pela história. O beato John Henry Newman mostrou que o desenvolvimento doutrinal é parte da Tradição viva. Não se trata de mudar a verdade, mas de compreendê-la mais profundamente. Francisco não negou dogmas, mas procurou novos caminhos para aplicá-los à vida concreta. Esse é o método da Igreja desde sempre: pensemos nas disputas cristológicas, na teologia da graça, nas mudanças na ética social. Não é ruptura, é crescimento.

6. Um Papa "de esquerda"? Uma falsa dicotomia

Por fim, uma acusação recorrente é a de um Papa ideológico, alinhado "à esquerda". Mas essa é uma leitura mundana do ministério petrino. O próprio Jesus foi acusado de glutão, subversivo, cúmplice dos pecadores. Quem olha para Francisco com os olhos da política perde o centro da questão: trata-se de um homem que busca viver o Evangelho. Não é questão de esquerda ou direita, mas de proximidade, compaixão, justiça e misericórdia. A Doutrina Social da Igreja, que Francisco retoma com força, sempre foi crítica ao individualismo, à injustiça econômica, à exploração. Isso não é ser ideológico, é ser evangélico.

Não um Papa de ruptura, mas de fidelidade criativa

O Papa Francisco não destruiu a tradição, mas a relançou. Levou a Igreja às periferias, devolveu a palavra a quem não a tinha, encarnou a misericórdia evangélica. Suas escolhas pastorais não devem ser lidas como concessões doutrinais, mas como um retorno ao estilo de Jesus: próximo, compassivo, livre das estruturas que oprimem.

Quem o acusa de ser "de esquerda" ou de romper com a fé, talvez não tenha compreendido a radicalidade do próprio Evangelho. Como diz Jesus em Mc 2,22: "Ninguém põe vinho novo em odres velhos". O pontificado de Francisco foi e continua sendo um convite a deixar-se transformar pelo vinho novo do Espírito, para sermos uma Igreja viva em um mundo ferido.

Por Harlei Noro | Pensamento crítico com apoio GPT

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